Aprendendo a ser mulher por meio de uma educação holística

 

Por Luciene Geiger

 

Às vésperas de comemorar mais um dia das mães, numa pausa para devaneios entre as demandas do trabalho e dos filhos, fui invadida pela lembrança de uma foto clicada há cerca de um ano, quando estava à espera de Bella, minha filha que em breve completará dez meses de vida. Na foto, clicada numa bela tarde nublada junto de plátanos e outras árvores que denunciavam a fertilidade em clima outonal, apareço carregando Bella no ventre acompanhada por meu marido, e a nossa frente aparece Martín, meu filho mais velho, segurando parte da vegetação para abrir caminho para nossa passagem. Uma imagem carregada de simbolismos e que me remeteu diretamente ao momento em que ele entrou em minha vida.

No final de fevereiro de 2012, havia postado numa rede social uma lenda oriental sobre o fio vermelho do destino, que supostamente conecta aquelas pessoas que estão destinadas a se encontrarem. Espantei-me pela profundidade em me senti tocada ao refletir sobre aquela lenda. Semanas depois, em março, iniciando um Mestrado em Educação, descobri-me grávida. De ideias e de um filho, que nasceria em novembro daquele ano. Junto dele, gestei um grande tema. Sentia que precisava dar passagem a perguntas e possíveis respostas, colocando-me a serviço de algo que, mais do que nunca, parecia fazer muito sentido para mim. Desde há muito me questiono sobre onde, como e com quem aprendemos a ser quem somos e, como tendeira da 18ª geração, um questionamento profundo surgia em mim: como podemos aprender a ser mulheres e como a educação pode contribuir para isso.

Assim surgiu minha dissertação “Aprendendo a ser mulher: contribuições de uma educação holística por meio dos círculos femininos Tenda da Terra e Tenda da Lua”. A escolha por pesquisar nesse universo se deu pelo fato de eu também estar imersa nele e participar da 18ª geração de mulheres que compõem esses círculos femininos, formando os elos de uma ciranda sem início e sem fim com outras mulheres em todo o mundo ao longo de todos os tempos, acreditando que há neles um forte potencial para mudanças pessoais e planetárias. Trilhando minha caminhada rumo a mim mesma acompanhada de muitas mulheres, estava claro que se tratava de uma proposta de educação holística, integrando conhecimento intelectual a uma sabedoria experiencial, resgatando e revalorizando dimensões e atividades humanas, especialmente aquelas ligadas ao feminino.

Cada elemento do trabalho refletia um profundo interesse de minha parte. Abordando as temáticas do aprender a ser, do ser mulher, a cosmovisão e a educação holísticas, além dos círculos femininos, trazendo ainda elementos específicos da história dos Círculos Femininos Tenda da Terra e Tenda da Lua, entrevistei algumas participantes da 16ª geração das Tendas – Amanda, Carla, Giordana, Miriam, Sonia e Suzeina –, além de Lúcia, sua idealizadora, procurando identificar as temáticas e aprendizagens mais significativas, na percepção das participantes, que lhes foram proporcionadas pela participação nesses círculos, analisando também como ocorreram as mudanças em seus modos de ser e estar no mundo. Pude assim escutar sete histórias de vida que, embora únicas e irrepetíveis, revelavam as histórias de muitas mulheres e a história humana.

Conhecer a si mesma foi a primeira evidência de como as Tendas contribuíram para esse processo de aprender a ser mulher que as entrevistadas trouxeram. Isso porque um dos passos fundamentais desse processo envolve examinar e ressignificar as relações primordiais que nos constituem e que, influenciadas por um sistema patriarcal de cunho dominador, tendem a incentivar a competição, a comparação entre pares, além de um jeito de ser e viver a vida predominantemente inautêntico e desconectado de si, fortemente pautado por expectativas parentais e socioculturais. Retomar tais relações nas Tendas parece favorecer um processo de amadurecimento de cada mulher enquanto pessoa, reconfigurando sua existência de forma mais autêntica e consciente de si. Desse modo, é possível aprender a fazer escolhas de acordo com sua estrutura interna de referências, podendo se despir de falsos mantos e se desprender de tudo que não é verdadeiramente seu ou escolha sua para escrever uma nova história de vida.         Outra importante contribuição que se evidenciou nesse processo foi a (re)descoberta de um poder diferenciado, caracteristicamente feminino, por meio da convivência com outras mulheres, resgatando a possibilidade de se aprender umas com as outras, onde somos mães, filhas e irmãs umas das outras, reconhecendo a beleza e a ternura desse processo. Assim, ao mesmo tempo em que estar nesses círculos contribui para uma presença mais autêntica e inteira, também colabora para a construção de um eu em relacionamento. Desse modo, as participantes podem aprender a confiar na mulher, nas mulheres e em si mesmas enquanto mulheres, podendo assim agenciar o desenvolvimento de um senso de fraternidade com o qual as pessoas aprendam a amar, compreender, cuidar e se curar.

Outro ponto que chama a atenção é a ressacralização da mulher por meio do reinvestimento na natureza cíclica e singular de cada uma e da valorização do corpo feminino, respeitando-o como fonte de autoconhecimento e conhecimento do mundo, fazendo reemergir o eu instintivo que foi progressivamente desvalorizado pela cultura dos últimos séculos e integrando-o às dimensões racional e afetiva. Esse resgate é fundamental quando se fala em inteireza. Somente assim cada mulher poderá chegar à capacidade de fazer escolhas genuinamente em concordância com seus anseios pessoais mais profundos e se desenvolver rumo à plenitude. Nas Tendas isso tem relação direta com outro aspecto evidenciado na pesquisa, referindo-se à valorização das experiências ao longo da vida como possibilidades de formação ao ritualizá-las por meio de cantos, danças, histórias, fazendo com que uma existência baseada em automatismos inconscientes se transforme numa existência plena de sentido e significado.

Por fim, mas não menos importante se considerarmos a educação e a vida numa perspectiva holística, as participantes demonstraram que participar das Tendas proporcionou uma maior conscientização de que masculino e feminino são polaridades e qualidades inerentes a homens e mulheres, assim como a tudo presente no universo, possibilitando maior aceitação e apreciação do feminino historicamente renegado e fazendo com que as mulheres deixem de considerar os homens como seus melhores amigos simplesmente por serem homens, conforme algumas histórias das entrevistadas evidenciaram, ou mesmo como inimigos das mulheres. Essa parece ser a semente de um processo que nos permitirá, enquanto humanidade, crescer individual e coletivamente a partir das singularidades pertinentes a cada ser, possibilitando modos de viver menos hierarquizados no sentido de promover maior equidade e respeito às diferenças.

Se hoje sou imensamente grata a Martín e Bella, que têm aberto caminhos inimagináveis ao me convocarem para ser sua mãe, a mãe e a mulher que tenho aprendido a ser trazem profundas marcas da minha trajetória como pesquisadora e, especialmente, como participante dos Círculos Femininos Tenda da Terra e Tenda da Lua.

(Para ler a dissertação: http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/3802 )